Música

Reggaeton e o Poder Cultural da América Latina no Mainstream

O reggaeton nasceu nos anos 1990 como um som híbrido e marginalizado, fruto da mistura entre dancehall jamaicano, hip-hop norte-americano e ritmos caribenhos, especialmente em Porto Rico e no Panamá. Por muito tempo, foi tratado como música de periferia, tachado de vulgar ou “subcultura”, carregando o estigma de letras explícitas e festas underground. Mas esse cenário começou a mudar quando artistas como Daddy Yankee, Don Omar e Tego Calderón levaram o gênero para além das ruas, transformando o reggaeton em trilha sonora de toda uma geração latina. O lançamento de “Gasolina” em 2004 marcou um divisor de águas: a canção explodiu em rádios internacionais e abriu as portas para que o reggaeton deixasse de ser apenas música de gueto e se tornasse produto global. A partir dali, o gênero começou a ocupar espaço nas paradas mundiais, mudando a percepção sobre o que a cultura latina podia representar no mainstream.

Nos anos 2010, essa ascensão se consolidou de forma definitiva. Artistas como J Balvin, Maluma, Karol G e Bad Bunny não só dominaram os charts globais, mas também passaram a definir tendências visuais, estéticas e comportamentais. O reggaeton deixou de ser apenas música de pista para virar cultura total: moda, gírias, gestos e até cores que ecoam nos clipes passaram a influenciar a juventude em vários continentes. Quando J Balvin se apresentou no Coachella com cenários psicodélicos inspirados em Bob Esponja, ou quando Bad Bunny lotou estádios nos Estados Unidos cantando em espanhol, ficou claro que não se tratava de crossover — e sim de ocupação cultural. A língua deixou de ser barreira, e pela primeira vez o público anglófono consumia música latina sem tradução, mostrando que a força do reggaeton não estava em se adaptar ao inglês, mas em impor sua própria identidade.

O poder cultural do reggaeton também se conecta com representatividade. Durante décadas, o mercado musical global foi dominado pela hegemonia anglo-americana, que raramente abria espaço para vozes latinas em posição de protagonismo. O reggaeton quebrou essa barreira. Ao colocar artistas latinos no topo do Spotify e da Billboard, ele não apenas ampliou o alcance da música, mas também trouxe questões de identidade, gênero e classe para o centro da conversa. Bad Bunny, por exemplo, se tornou ícone não apenas por suas canções, mas também por desafiar padrões de masculinidade, usar saias, unhas pintadas e letras que discutem sexualidade e empoderamento. Karol G, por sua vez, abriu espaço para mulheres em um gênero historicamente dominado por homens, provando que o reggaeton também pode ser terreno de disputa e afirmação feminina. Assim, o gênero não só exporta batidas, mas também novas narrativas de liberdade e resistência cultural.

Hoje, o reggaeton é uma das maiores potências musicais do mundo, influenciando desde artistas pop como Dua Lipa e Beyoncé até rappers norte-americanos que incorporam seus beats em produções próprias. O gênero deixou de ser nicho para se tornar linguagem global, levando consigo a força cultural da América Latina. Mais do que um som de festa, o reggaeton é símbolo de pertencimento e de conquista: mostra que a cultura latina não precisa ser adaptada ou suavizada para ser aceita, mas pode ser celebrada em sua intensidade original. Nas pistas de dança, nas rádios, nos festivais e até nas campanhas publicitárias, o reggaeton é hoje a batida que move o mundo. E seu maior triunfo não é apenas comercial, mas simbólico: provar que a América Latina não é periferia da cultura, mas centro pulsante de uma revolução global.

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