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Purple Drank: o xarope que virou febre no rap do sul dos EUA

Purple Drank, também conhecido como leansizzurp ou simplesmente “copo roxo”, é uma das imagens mais marcantes da cultura do rap sulista dos Estados Unidos. A mistura de xarope com codeína, refrigerante (geralmente Sprite) e balas de goma ganhou notoriedade nos anos 1990 em Houston, no Texas, onde rappers locais transformaram a bebida em símbolo de status e estilo de vida. DJ Screw, pioneiro da cena, ajudou a consolidar não só o consumo, mas também a estética sonora associada: batidas lentas, vozes arrastadas e uma atmosfera quase onírica que traduzia o efeito sedativo da substância. O famoso chopped and screwed — técnica de remixar músicas desacelerando o ritmo e cortando trechos repetidamente — era praticamente a trilha sonora líquida do Purple Drank. Desde o início, não era apenas uma droga, mas uma estética cultural que definia uma geração e uma região inteira do rap.

O Purple Drank saiu do underground texano e ganhou o mainstream com artistas como Three 6 Mafia, Pimp C, Bun B e Lil Wayne. Copos de isopor brancos com líquido roxo viraram ícones visuais em capas de discos, clipes e shows. Lil Wayne, em particular, ajudou a popularizar a bebida ao falar dela constantemente em suas letras e entrevistas, transformando o lean em um dos símbolos mais reconhecíveis do rap moderno. O problema é que, junto com a estética, veio também a glamorização do consumo: o copo roxo não era só um adereço, mas a promessa de um estilo de vida ligado ao excesso, ao tédio e ao prazer lento. Revistas, blogs e até marcas de streetwear começaram a reproduzir a iconografia do Purple Drank, elevando-o a objeto de desejo entre jovens fãs do rap que muitas vezes ignoravam os riscos reais da substância.

Com o passar dos anos, a bebida deixou de ser apenas símbolo de ostentação e passou a carregar também o peso da tragédia. Diversos artistas ligados à cena do sul morreram de complicações relacionadas ao uso da substancia. O rapper Pimp C, do UGK, foi encontrado morto em 2007 com altas doses de codeína no organismo, e sua perda marcou profundamente a cultura hip hop. Outros nomes, como DJ Screw e Big Moe, também tiveram suas mortes associadas ao abuso da mistura. Mesmo assim, a iconografia do copo roxo continuou a circular, refletindo a contradição do rap em relação às drogas: de um lado, crítica e consciência; do outro, fascínio e mitificação. O Purple Drank virou uma espécie de mito cultural — tanto aviso sombrio quanto símbolo estético —, capaz de coexistir entre o culto e a tragédia.

Hoje, o legado do Purple Drank permanece vivo, mesmo em um cenário em que rappers mais jovens, como Future, Travis Scott e até artistas do SoundCloud rap, continuam a citar o lean em suas músicas. O copo de isopor, com líquido roxo transbordando, virou quase uma marca registrada visual do trap contemporâneo. Mas também existe um debate crescente sobre saúde e responsabilidade, com alguns artistas assumindo publicamente a decisão de abandonar a substância e expor seus riscos. O que antes parecia apenas parte da performance virou reflexão sobre os limites entre estilo e destruição. O Purple Drank, afinal, é mais do que uma droga: é um espelho da cultura hip hop, capaz de transformar dor em estética, risco em estilo e tragédia em ícone pop. O copo roxo talvez nunca desapareça das letras e imagens do rap, mas seu brilho sempre virá acompanhado da sombra do que ele já levou.

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